O Rio rebelde
Autor(es): Daniel Aarão Reis |
O Globo - 18/09/2012 |
Sobre
a educação, o diagnóstico é preciso: "As escolas
públicas estão sem alma." Educação séria, em qualquer
lugar do mundo, requer horário integral e professores
bem pagos, excluída a famigerada "terceirização", que
destrói os vínculos entre os funcionários e os serviços.
Em cada escola, autonomia pedagógica, observados
parâmetros democraticamente construídos.
A
saúde pública também deve basear-se em médicos,
enfermeiros e auxiliares concursados, estáveis e
decentemente remunerados, encerrando-se a experiência
das Organizações de Saúde/OS, uma privatização
mascarada, baseada na anarquia salarial e na falta de
compromisso dos profissionais com os centros de saúde e
os hospitais: "Vamos fazer concurso público, até porque
o dinheiro que banca as OS é público e muito." Quanto à
habitação popular, critérios rigorosos na efetivação das
chamadas "remoções": "A política atual é irresponsável."
Em questão, uma "concepção de cidade". O que se quer?
Entregar a cidade aos negócios ou às pessoas? Dá para
combinar os dois? Dá, mas numa "cidade de direitos".
Freixo cita exemplos concretos: "Em Londres, por lei,
metade das moradias da Vila Olímpica foi destinada à
população de baixa renda. A Vila dos Jogos
Pan-Americanos na Barra foi toda jogada para o mercado
imobiliário."
Na
área dos transportes públicos, "enfrentar o poder das
empresas de ônibus, reunidas na Federação dos
Transportes (FETRANSPOR)." Os consórcios funcionam como
um cartel, impondo tarifas escorchantes, recusando-se a
aceitar o bilhete único, praticado, há anos, nas grandes
capitais do mundo. Em jogo, o "modelo rodoviário". O
atual tem custo alto, polui e inferniza a vida das
pessoas. Por que não viabilizar o transporte sobre
trilhos? As vans assumiriam uma vocação "complementar",
organizando-se licitações individuais, para neutralizar
o poder das milícias.
Finalmente,
em relação à segurança, é falso dizer que se trata de
matéria exclusiva do estado. As milícias fundamentam seu
poder em atividades econômicas que se efetuam em
territórios determinados. Ora, tais atividades e
territórios são - ou deveriam ser - regulados pela
autoridade municipal. Haveria um largo campo a ser aí
explorado, sempre em parceria com os governos estadual e
federal, sem nenhuma conciliação com as milícias.
Selecionei
cinco questões essenciais. É clara, em todas elas, a
vontade de mudança, respeitando-se os valores
democráticos. A marca rebelde contra o marasmo, um
sistema exaurido que se repete e se rotiniza à custa das
grandes maiorias.
Mas
os sinais de rebeldia aparecem principalmente na
mobilização e no incentivo à auto-organização das
gentes. A recuperação da militância gratuita e
espontânea, motivada por valores - políticos e éticos.
Cada reunião é um comício. Cada comício surpreende pela
afluência das pessoas. Renasce o melhor da tradição
democrática brasileira, viva e promissora, em especial
na primeira metade dos anos 1980, com destaque para a
participação de artistas, meio sumidos nos últimos anos
dos embates políticos. Pois eles estão de volta,
generosos e solidários. Não seria esta uma indicação de
tendências profundas? A sintonia fina entre artista e
sociedade?
O
exercício de cidadania não vai morrer após a campanha
eleitoral. O candidato propõe - "eixo central da sua
política" - a construção de Conselhos de Políticas
Públicas e a reanimação das associações de bairros,
destinados, em conjunto com os vereadores, a formular e
a controlar a aplicação das políticas e das leis,
viabilizando uma "outra concepção de governo", distinta
do atual troca-troca de favores por votos, onde quase
sempre se encobrem interesses escusos. O Rio tem
tradição rebelde.
Em
1968, houve aqui o movimento estudantil mais atuante, e
as maiores passeatas contra a ditadura. Na segunda
metade dos anos 1970, a luta pela anistia - ampla, geral
e irrestrita. Nas primeiras eleições livres para
governadores, em 1982, a vitória de Leonel Brizola -
"Brizola na cabeça" - representou desafio à ordem
vigente. Ao longo da campanha das Diretas-já, o povo nas
ruas contribuiu para consolidar o processo de transição
democrática. Na sequência, Fernando Gabeira quase foi
eleito prefeito da cidade contra ampla coligação de
interesses conservadores. Em 1989, nas primeiras
eleições diretas para presidente, outros comícios -
imensos - por Lula e Brizola. A partir dos anos 1990,
porém, no quadro da "administração das coisas", as
eleições perderam encanto, cada vez mais dominadas pelo
dinheiro e pelo marketeiros.
Não
terá chegado a hora de mais uma virada? Retomando
tradições críticas que existem no tempo longo,
enraizadas na cidade?
É
verdade que outra candidatura fala de si mesma como "um
rio". Pode ser um rio qualquer. Mas o Rio rebelde, nas
eleições de outubro, além de um programa, tem nome e
sobrenome: Marcelo Freixo.
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário